sábado, 16 de outubro de 2010

A jovem injustiça (conto).


Naquela tarde ensolarada, onde a força do Sol teimava em adormecer, laçados eram dois jovens no ato simbólico do casamento.

Na noite de núpcias o coração da moça batia acelerado, sonhara com aquele momento a vida toda, uma mistura de curiosidade, paixão e medo era derramada sobre seu espírito. Abriu a porta e o que encontrou foi, digamos, inesperado, seu amante esperado estava aos roncos, aquela fria recepção aborreceu-a e ela deitou em sua cama inconformada. E assim foram-se os dias, semanas, meses. Ela insistia, persistia, mas era mais que notável que seu esposo não queria a aproximação carnal, ele dizia que o sentimento que os unia devia ser suficiente para os dois.

A frustração cresceu, cresceu, a ponto dela chegar ao extremo, levando o seu parceiro ao mais ridículo, o ponto mais humilhante que um homem pode passar, difamou-o e espalhou a todos que seu marido era efeminado, uma aberração. Na luta contra o preconceito a arma do rapaz foi o silêncio, não se pronunciou, não se defendeu, continuou com a caluniadora a julgá-lo.

A rendição aconteceu numa mesma tarde, igual a do matrimônio. Jazia no chão de pedra, em frente ao grande casarão onde morava o casal, o jovem homem, sangue escorria de seu nariz e boca e em sua mão esquerda, preso a aliança, estava um papel. Quando chegou da casa de seus pais, onde ela fora encontrar apoio, deparou-se com a cena de horror e seu olhar caiu diretamente no papel que dizia:

“Amo-te, em meus sonhos você era a pessoa que queria que fosse, que sempre sonhei que fosse, meu amor queria completar-se na forma carnal, meu corpo sempre quis se unir ao seu, mas reconheço que o amor que sentia era mais do que isso e pude ver que o seu sentimento não passava de uma paixão de adolescente. Antes de tudo saiba que o autor de tudo isso fora seu pai, sou aquele por quem ninguém nunca deu nada, aquele mísero mendigo de rua, em seu desespero o barão me fez um cavalheiro, ele já sabia dos meus sentimentos por intermédio de terceiros e aproveitou a chance para cumprir quais seja seus planos”.

“Havia um preço a qual eu deveria pagar, pois na vida nada se ganha, tudo se paga, e a promessa que ele me fez cumprir a todo custo, por Deus, foi preservá-la imaculada, não devia tocá-la, não deveria amá-la como homem, e assim fiz, pois sou sincero e prefiro morrer com a minha sinceridade, de nada importa integridade, pois nunca fui íntegro, porém você merece a verdade, e meu espírito abandona o seu provando pelo menos que meu amor ultrapassava a concupiscência e que entrava no campo espiritual”.

“Sinceramente, apesar de tudo, você sempre fora meu único, lindo, magnânimo e imaculado amor”.

O desespero, a culpa, o rancor tomou conta da alma daquela jovem, seus devaneios tornaram-se sombrios e sua busca por justiça havia começado.

Houve, conforme de costume, o velório e entes queridos fizeram-se presentes no momento amargo que se anunciou. Logo outra tragédia se formulou, o pai da “justiceira” passara mal dormindo, e seu fim naquela madrugada triste fora a morte. Logo se soube, pela jovem, que ela era autora do crime hediondo, envenenando a bebida do patriarca, todos se encheram de susto, exasperados alguns não tiveram reações, outros choraram, outros raivosos reagiram à atitude da moça, mas foi a mãe dela que deu a surpresa. Em sua mão encontrava-se outra carta com a seguinte mensagem:

“Nunca quis a torná-la infeliz minha filha, visei somente o seu bem-estar perante a sociedade e a seu esposo, nunca o desconsiderei por ser mendigo, mas incumbi a ele tal missão tendo total crença que ele realizaria com êxito, pois o amor dele, pude ver, era puro e grande”.

“Meus motivos serão explicados. Minha filha, você não é mais virgem, um irmão meu há muito tempo viera nos visitar, sua idade exata era de dois anos. Não sabia, contudo sua face escondia o monstro que vivia em seu interior, e ele se revelou durante a sua estadia em nossa casa, violentando você e retirando o selo sagrado, que Deus pôs para torná-la imaculada. Eu e sua mãe tememos por tempos o seu casamento, tínhamos medo do que se revelaria quando soubessem que você não era virgem, a humilhação que você passaria. Graças aos céus este moço se anunciou e logo tratei de concertar do modo que eu via mais jeitoso o que estragado fora no passado’.

“Sei que sou um covarde, principalmente por me pronunciar tardiamente, não podendo evitar tamanha tragédia e mais covarde ainda de não conseguir me dirigir a você, pois consigo sentir seu ódio”.

“Perdoe-me minha filha, espero que um dia entenda que fiz tudo isso, mesmo que erroneamente, visando somente seu bem, pois a amo com o mais profundo amor”.

Tamanha foi a depressão da jovem, o horror que percorreu daí em diante em suas veias foi inevitável, o preço a ser pago pela tamanha injustiça. Esta moça ainda vive, está aí, em qualquer canto, está em você, está em mim, ela é o julgamento que você faz todo dia das pessoas, e a obstrução das chances de aproximação de similares, o rancor que você guarda, o ódio que você sente, o poder de não perdoar a você concedido, a luxúria da superioridade que o domina, as trevas, o abismo, a análise prévia dos semelhantes sem base,sem um pingo de solidariedade, sem o mínimo de amor.

Heliaz dos Santos Shauon.

1 comentários:

Elisama disse...

adorei, me emocionei ;)

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