terça-feira, 19 de abril de 2011

Conto: Até onde vai esse ódio?


... – Vamos tomar um ar? – perguntei a Roberto, meu amigo de balada. Ah, tinha que contar o que havia acontecido, a felicidade tamanha devia ser exposta – conversar? Preciso muito falar com você.
- Que isso Venâncio, a balada mal começou, depois você fala – ele insistiu pra ficar mais já na porta do estabelecimento, eu o forçava para que fosse comigo – vamos curtir!
- Ah, mas é importante – eu argumentei – vamos dar só uma voltinha na quadra, já voltamos!
- E aquele gato que tava com você?! Meu amor, homem igual aquele não cai do céu, deixar aquele deus grego embolorando, outro mofinho vem e pega, helloooo! – ele tentou me convencer, gesticulando exageradamente como sempre.
- É sobre isso Beto, vamos dar a voltinha – peguei-o pela mão, forcei-o a vir comigo até ele ceder, e fomos andar. Saímos, e pus-me a falar – ele me pediu em namoro!
- Sério?! E o que você tem na cabeça? Minhoca? – ele olhou pra mim indignado.
- A, não sei, ele é lindo – andávamos devagar, Beto um tanto contrariado ainda – mas ainda falta algo.
- Ai ai ai, você! Nâncio você é lerdo, se aquele não for o príncipe encantado, com aqueles brações, corpo escultural e cara de anjo, eu não sei o que é – eu sentia ali um pouquinho de inveja e fúria, por eu poder aquele homem em minhas mãos e esnobá-lo.
- Acho que ele é demais pra mi... – Beto fez um basta com as mãos, me interrompendo.
- Olha, se ele está interessado é porque te acha à altura dele, e outra, se você ficar nessa ninguém vai te querer, seja alto astral, você é bonito, inteligente, se valoriza! – ele concluiu.
- Você acha que devo aceitar então? – eu queria que ele me dissesse ao contrário.
- Claro! Toda pessoa não é pra você, para com essa mania de inferioridade e deixe rolar – respondeu irritado.
- Ok, tudo bem, vou aceitar, mas se não der certo a culpa é sua – tentei alertá-lo.
- Se não der certo não deu! Oras, nem tudo é para sempre – chacoalhou a cabeça e indignação.
Íamos calmo pela rua, dando a volta na quadra. Mais a frente havia uma multidão que se aglomerava em frente a um palanque, era época de política, por isso pensei que era mais um desses aí prometendo a cueca e a calça. Contudo, ouvindo bem, era parecido com um culto evangélico, até que discerni o que eles estavam dizendo.
“... O mundo está munido de imoralidades, o homem ceifa o que colhe, oremos para que Deus venha limpar nossa sociedade de tamanhas barbaridades...”
- Viu?! Somos as imoralidades que eles pregam, me dá nos nervos as pessoas nos julgarem por sermos assim, pagar nossas contas ninguém paga, agora criticar todos critica, vamos voltar – Beto não gostava que criticassem a condição dele, na verdade eu também não, todavia era mais relevante, na verdade é difícil viver em um mundo onde não te aceitam como pessoas de verdade, não reconhecem sua personalidade e seus pensamentos, julgam ser tudo obra do diabo, reprimindo assim tudo que acreditamos, vivemos e pensamos.
Mas o destino iria nos dar mais uma prova do quanto às pessoas odiavam-nos, ao virarmos uma esquina, entramos em uma ruazinha tranquila, de paralelepípedos, e era ali, eu e Roberto nos esquecemos, o refúgio de um grupo anti-gays. Caímos como ratos na ratoeira.
Não me lembro se eles disseram algo ou não, só sei que na metade do caminho eles nos surpreenderam, eram muitos, dezenas, pra mim uma multidão, pessoas desorientadas, tiradas de seu estado de sanidade, veio ao nosso encontro, àqueles olhos vermelhos como brasa, cheio de fúria e sede de sangue. Eu me lembro de ter gritado “Roberto, corra” saindo em direção contrária deles, senti um objeto pesado contra minhas costas, não pude saber o que era, na hora não doera, eu não pensava nada, só vinha em minha cabeça fugir dali, daquele lugar, me abrigar em um recinto seguro. Ouvi gritos, xingamentos embaralhados que não pude distingui-los, passos ao meu encalço, e o pior, pedido de socorro de Roberto. Aquelas lamúrias nunca mais sairão da minha memória, eu fui culpado de sair da balada, de entrar na rua com ele, eu não fui salvá-lo, eu sempre irei me culpar, sempre.
Corri o trajeto de volta até a balada, meu coração não batia, ele gritava, meu peito doía, minha caixa torácica parecia que viria a explodir, não conseguia mais reunir ar. Foi quando avistei o segurança, gritei sabe Deus como, “SOCORRO, PEGARAM ROBERTO, CHAME A POLÍCIA”, ele veio ao meu encontro e depois disso não vi mais nada, minhas pernas cederam ao nervosismo e cansaço, desmaiara.
No velório o caixão fora lacrado, tamanha era a deformidade de Roberto, quem o viu depois do ocorrido, quem teve realmente coragem de mirar ele, dissera que estava nu, com a pele toda cortada e roxa, um olho para fora, dedos atorados, uma horrível morte para alguém que apenas buscava sua felicidade e um mundo igualitário e melhor.
O mundo nunca terá espaço para todos, enquanto você acreditar que não somos iguais, enquanto você finge não ter preconceito, contudo é minado de ódio, enquanto você achar que nós precisamos de mudança. Quem deve decidir mudar é o indivíduo, e não as pessoas que o rodeia, se ele é feliz do jeito que nasceu, deixe-o viver assim. Você pode não acreditar, mas pode ser responsável por matar sonhos, frustrar corações, deixar órfãs famílias, assassinar mais uma alma esperançosa para viver!
Seja solidário, seja humano, respeite, não julgue!

Esta história é fictícia, mas podia acontecer com qualquer um, pense você ser massacrado, agredido por apenas ser diferente da massa? Você deseja isso pra si mesmo? Se não, por favor, não deseje pra ninguém, nós não merecemos o seu ódio ou julgamento.
Muito grato.

Heliaz dos Santos Shauon.

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